Os EUA são grandes demais para quebrar? Se a história se repete como tragédia, o Copom do Banco Central deveria acautelar-se nesta quarta-feira.
A mais importante reunião deste ano do comitê ocorre uma semana antes do prazo final para um evento catastrófico: o calote americano. As circunstâncias lembram de uma forma sinistra o que aconteceu em setembro de 2008. No dia 10, a cinco dias da quebra do Lehman Brothers, o Copom elevou a Selic de 13% para 13,75%. Ninguém acreditava que o secretário do Tesouro americano, Henry Paulson, iria permitir a falência da instituição. O motivo era que o centenário Lehman era grande demais para quebrar.
Depois de encontradas soluções para os casos críticos da Fannie Mac e Freddie Mac (resgatadas por fundos privados e públicos), do Bear Stearns (adquirido pelo JP Morgan) e do Merrill Lynch (comprado pelo Bank of América), havia confiança de que seria feito um resgate bem-sucedido do Lehman Brothers. Paulson deixou que o banco quebrasse, arrastando o mundo em uma recessão da qual ainda não se recuperou. A crise do subprime, que começou em março de 2007, foi crescendo a despeito das injeções de dinheiro do Federal Reserve (Fed) e da contínua redução das taxas de juros. Mas sempre havia a esperança de que iria terminar rapidamente, sem provocar um colapso. Trata-se da velha crença de que, no fim, tudo vai dar certo, tudo vai acabar bem. Não acabou.
A história se repete, agora como farsa, com o impasse político em torno da questão fiscal e do endividamento. Como a que culminou em 2008, a crise de hoje não é nova, vem se arrastando desde que o presidente Barack Obama apresentou o seu programa de assistência médica, odiado patologicamente pela ala radical do Partido Republicano. As soluções encontradas são todas de curto prazo, empurrando o desastre para frente.
No começo do ano passado, surgiu o temor do "abismo fiscal" (a mistura incongruente de elevação de gastos e isenção de tributos). O pior não aconteceu, mas as negociações resultaram, em março, no "sequestro fiscal", os cortes automáticos de despesas, os principais responsáveis até hoje pela impossibilidade de o Fed normalizar as condições monetárias. Como não há acordo, os EUA estão agora no meio de um "shutdown", a paralisação, por falta de dinheiro, de atividades não essenciais. Isso, no começo. Se o dinheiro não for liberado, outras atividades, numa escala progressiva, irão ser interrompidas até que as essenciais também parem.
E, no dia 17, se o teto da dívida pública não for elevado dos atuais US$ 16,7 trilhões, o Tesouro ficará sem caixa para pagar os juros da dívida. E a maior nação do mundo, quem diria, vai passar o beiço. Mas o velho pensamento positivo diz que tudo vai acabar bem. O Copom deve confiar nisso e subir a Selic, como já comprometido, de 9% para 9,5%?
Mesmo alguém do calibre do megainvestidor Warren Buffett não consegue se desvencilhar de todo da velha crença. Ele disse na semana passada: "Vamos chegar bem próximos da linha de extrema idiotice, mas não vamos cruzá-la". Tudo indica que o veteraníssimo bilionário está certo, mais uma vez. Mas convém lembrar outro sábio, em outra área. Einstein dizia que há duas coisas infinitas: o universo e a estupidez humana. Mas acrescentava: "E eu não estou muito certo quanto à primeira". Só a segunda explica o fato de um país detentor da moeda-padrão global, capaz de imprimir dinheiro (por ser reserva de valor) sem gerar inflação, está à beira de um default.
O que significa o calote americano? Se o parâmetro é a crise de 2008, as soluções de mercado encontradas para os casos do Bear Stearns, do Merrill Lynch e do Wachovia estão para o shutdown assim como a quebra do Lehman Brothers está para o default. Este é um acontecimento, por seu trauma, impensável para o mundo, o financeiro e o real. Se um país não tem dinheiro para pagar a sua dívida, primeiro busca empréstimos no FMI e, se não forem suficientes, declara moratória e inicia renegociação com os credores.
Enquanto isso, ninguém mais compra seus títulos. Os credores (a maior parte das reservas brasileiras de US$ 370 bilhões está em treasuries) irão suportar? Ou haverá ameaça de quebradeira? Haverá rejeição dos bônus americanos. E onde os investidores líquidos irão aplicar? Haja ouro. Se os EUA entrarem em moratória, a economia mundial irá frear bruscamente. No pior cenário possível, o mercado se prepara para o seguinte: desabamento do dólar, disparada dos juros das treasuries, corridas pânicas para saques em bancos e congelamento mundial do crédito. É irresistível pensar que isso não vai acontecer, que tudo no fim vai acabar bem.
É o último item desse cenário cataclísmico o que pega em cheio o Brasil. A retração do crédito exigirá o retorno das medidas macroprudenciais de expansão de liquidez adotadas a partir do final de 2008. E corte da taxa Selic.
O Copom capitaneado por Henrique Meirelles em 2008 foi severamente fustigado por economistas heterodoxos por ter mantido a Selic em 13,75% de setembro a dezembro e só ter iniciado o movimento de baixa em janeiro. Numa confissão de culpa tardia, no Copom de 21 de janeiro de 2009 a taxa caiu um ponto percentual de uma vez, para 12,75%, e foi baixando até chegar a 8,75% em julho. Mas o principal equívoco foi ter subido a taxa de 13% para 13,75% a cinco dias da quebra do Lehman Brothers, imbuído da certeza de que tudo iria acabar bem.
O Copom atual tem de hoje até a tarde de quarta-feira para buscar informações sobre o andamento das negociações em torno da ampliação do teto da dívida e para refletir. Se nada for resolvido até lá, pode comprar um hedge: tomar uma decisão com viés. A prerrogativa do viés não é utilizada desde 19 de março de 2003. Trata-se do privilégio legal que autoriza o Copom a tomar uma decisão provisória. Ele define a taxa e aplica um viés, de baixa ou de alta. Se as condições mudarem, ele não precisará esperar até a próxima reunião formal (45 dias depois) para corrigir a rota da política monetária. Uma reunião extraordinária seria feita a qualquer tempo.
No caso atual, se o comitê cumprir o combinado, elevando a Selic para 9,5%, poderia instituir um viés de baixa, a ser exercido caso os EUA entrem em default e paralisem o crédito global. Ou, então, manter a taxa nos atuais 9%, mas impondo um viés de alta, para a hipótese de os republicanos cederem e aprovarem um aumento do teto.
Do ponto de vista da política monetária, a primeira hipótese pode ser a melhor. O mercado futuro de juros persistiria operando normalmente e, em caso de deflagração do evento catastrófico, já iniciaria a redução dos DIs antes mesmo da aplicação pelo BC do viés de baixa. Para efeito do jogo de ganha e perde do mercado, a segunda alternativa seria melhor. Passaria a apostar, exagerando, quando seria usado o viés de alta.
Os mercados operaram sexta-feira no fio da navalha, torcendo para não escorregar. Semitravado, o dólar fechou em alta de 0,36%, a R$ 2,211. O juro para janeiro de 2015, o contrato mais líquido de um pregão sem liquidez, caiu de 10,17% para 10,14%.
Fonte: Brasil Econômico
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